Não quero fazer muito Off-Topic pois este é um tópico sobre nutrição.
Mas acho que vale à pena clarificar umas ideias, até porque algumas delas acabam por ter relação com a forma como o organismo obtêm energia.
A "Aspirina" tem como acção principal funcionar como um anti-inflamatório. Mas também tem função analgésica. E um dos seus efeitos secundários é funcionar como anti-agregante plaquetário.
Ora é precisamente pelo seu efeito secundário que ela é usada em idosos. Como diminuí a agregação das plaquetas, diminuí a formação de trombos, que podem causar obstrução de vasos sanguíneos (tromboses, AVCs).
Não é por aumentar a circulação que é usada. É pela situação que expliquei anteriormente. Como o uso é continuado as doses diárias são baixas, muito menores que na vulgar "Aspirina".
Em relação a actuar nas cãimbras, arriscava a dizer que deve ser pela acção analgésica e anti-inflamatória. E se houver uma paragem do acto de pedalar para tomar o comprimido, o descanso parece-me que também será uma factor a considerar.
As cãimbras, do que sei, estão muito mais ligadas a questões de hidratação e balanço de iões. Não depende da questão do ácido láctico/lactato.
O ácido láctico nas condições fisiológicas do nosso organismo origina rapidamente lactato e H+
Mas o H+ será rapidamente neutralizado, pois temos mecanismos de tamponamento no organismo que não deixam que concentrações as concentrações de H+ disparem "à maluca".
Lembrem-se de uma coisa quando estivem a pensar na "nossa máquina".
O organismo é altamente complexo, e possui todo o tipo de mecanismos de compensação, regulação, etc
Raramente funciona por sistemas estanques, compartimentados, sem interacção entre os mesmos.
Quando lerem descrições desse tipo, desconfiem, fiquem de "pé atrás". Normalmente as coisas não são bem assim e falta informação. Ou o conhecimento científico ainda não consegue explicar tudo em detalhe.
A questão do lactato é um belo exemplo. Há muito tempo atrás quando os cientistas começaram a abordar a fisiologia do desporto, um dos modelos propostos era baseado em formas de gerar energia muito estanques. Anaeróbia vs anaeróbia. Com o tempo veio-se a descobrir que há uma miríade de nuances na forma como o organismo organiza a melhor forma de obter energia naquele momento.
Grosso modo o organismo têm 3 formas de obter energia.
-De reservas já sintetizadas de ATP e Creatina-fosfato. A sua quantidade é diminuta, mas como já estão sintetizadas (logo não é necessário esperar por nenhum processo bioquímico) permitem gerar muita energia
por pouquíssimo tempo.
-Por uma via anaeróbia, converter piruvato em lactato. Só pode ser realizada partindo de um HC simples como a glucose. É um processo bioquímico com "poucos passos" logo relativamente rápido e acessível ao organismo. Logo entende-se porque o organismo, quando confrontado com uma alta demanda energética, "pendura-se" nesta forma de obter energia. Mas como em tudo na vida, não há só vantagens. O problema desta via é que tem pouca rentabilidade, geram-se poucas moléculas de ATP por cada molécula de piruvato. A via aeróbica, embora mais "lenta", gera muito mais ATP por molécula de piruvato. A segunda grande desvantagem é que está dependente do metabolismo de HC, enquanto que a via aeróbia não tem essa limitação. Podemos pensar na via anaeróbia como um cartão de crédito. É muito porreiro usar, mas tem limites e mais cedo ou mais tarde vamos pagar os abusos ... e com juros. Numa volta, sempre que um atleta anda bem acima do seu FTP, basicamente ele está a usar um cartão de crédito. Quanto mais o usar, mais rapidamente atingirá o limite de utilização, e quando for a hora de pagar, mais irá doer.
-Por uma via aeróbia (Ciclo de Krebs), em que por um mecanismo altamente complexo, HC, gorduras ou proteínas geram muito mais moléculas de ATP do que o mecanismo citado anteriormente.
Posto isso, o lactato gerado pelo processo anaeróbio, não fica "a boiar" na célula. O organismo possui mecanismos para "reciclar" esse mesmo lactato. Quando os mecanismos de reciclagem do lactato começam a não ter capacidade para processar o lactato que vai sendo produzido, a sua concentração começa a aumentar. Até que chega a tal concentração que o atleta sente os sinais de fadiga e é obrigado a tirar o pé. Nada mais temos que a aplicação prática do tão falado LT (limiar de lactato).
Mal o atleta tira o pé, há menos utilização da via anaeróbia, ganhando novamente a via aeróbia maior preponderância (mas não esquecer que nenhuma das vias funciona à solo, estão sempre ambas operacionais, apenas em rácios diferentes, conforme a demando de energia do organismo).
A reciclagem do lactato é basicamente feita transformando-o novamente em piruvato (que permite a entrada no ciclo de Krebs referido anteriormente, o tal de elevada rentabilidade de ATP) ou pode pelo Ciclo de Cori, gerar novamente glucose.
E isto é uma explicação muito a correr. A complexidade destas coisas é fascinante e intimidante ao mesmo tempo