Obrigado
Filipe. Palavras como as tuas, naturalmente reforçam a motivação para continuar a fazer mais e cada vez melhor.
Esta crónica foi, como já tinha dito, a mais longa que escrevi e a mais profusamente ilustrada. Estes moldes colocam a fasquia ainda mais elevada em termos de continuidade e, sem obsessão de superação desmedida, o meu interesse é continuar com a mesma qualidade nas próximas crónicas.
Essa exigência transmite-se também ao desenho dos percursos e/ou à necessidade de qualidade intrínseca dos mesmos. A próxima volta já está bem alinhavada e é disso exemplo. Apesar de ter uns números incomparavelmente mais modestos, estou a programar a rota para que seja possível dela extrair tanto sumo quanto possível. Contextualmente não será tão elaborada como a de Ribeira de Pena, mas certamente que permitirá uma narrativa interessante.
Fizeste uma contabilidade que ainda não tinha notado, mas de facto foi enorme o feedback que tive.
Por isso, e porque nem só de palavras vive este tópico, aproveito desde já para vos retribuir com uma viagem dos bastidores de uma crónica duchene...
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Ao longo dos dias que são necessários para estruturar, escrever e ilustrar o relato de uma das minhas aventuras decorre um
workflow base que é comum a todas elas.
Faço uma primeira estruturação da crónica, utilizando para isso apenas palavras-chave: a chamada lista de mercearia. São palavras que reflectem a sequência cronológica dos acontecimentos e estados de espírito, servindo também como notas de momentos importantes, caricatos ou laterais. Será em volta de cada uma destas palavras que vou construindo os blocos de prosa dos diferentes momentos decorridos ao longo do dia.
Feita esta selecção, tenho já uma ideia do guião, o que me leva desde logo à fase da fotografia. Com a espinha da crónica bem definida é mais fácil fazer uma selecção fotográfica representativa. Tento criar uma narrativa visual que permita, de forma grosseira, que se consiga percepcionar o filme do dia, mesmo não lendo uma única linha de texto. Daí a distribuição fotográfica ao longo das crónicas ser bastante homogénea. Normalmente, a existirem falhas, são na ponta final, nomeadamente porque estou a cruzar estradas já conhecidas e que, eventualmente, já terei fotografado ou descrito antes.
O processo de selecção de imagens é quase sempre complicado. Há obviamente zonas do percurso mais fotogénicas do que outras e, não raras vezes, tenho de escolher a melhor de 3 ou 4 fotografias. E não se trata de eleger a que tecnicamente ficou melhor, mas sim aquela que melhor ilustra a passagem do texto em questão. Os meios de recolha são genericamente os mesmos, entre telemóvel e GoPro. Ambos os dispositivos com as suas limitações, que fui aprendendo a contornar.
O texto, esse, é o grande consumidor em termos de tempo despendido a escrever a crónica. Como é natural, escrever uma crónica exige um apurado exercício de memória. Contudo, não é possível reter todos os intermináveis pormenores que absorvemos em 14horas ou 250km a pedalar. Sobretudo em termos técnicos, distâncias, pendentes e contexto rodoviário particular.
É nesta fase que esmiuço o track gravado pelo gps, retiro apontamentos dos blocos que pretendo descrever e revejo de que forma se integram no terreno e na rede viária circundante. É também nesta etapa que faço grande parte da pesquisa complementar, ao sabor dos acontecimentos e das curiosidades que encontro na estrada ou ao seu redor. Cruzo várias fontes de informação, tentando transmitir, na medida do meu conhecimento, a versão correcta dos factos. Muitas vezes consulto crónicas anteriores e de outros autores em busca de confirmação ou informação adicional. As pesquisas online então, são incontáveis.
O trabalho de escrita não é, de todo, linear. Não consigo fazer a narrativa de fio a pavio e salto constantemente entre parágrafos. Em traços gerais, vou escrevendo o bloco da volta que naquele momento consigo visualizar melhor e que mais facilmente faça fluir as palavras. É uma desorganização em que me consigo organizar. Esta é também a fase de maior frustração, em que passo verdadeiras torturas em termos de bloqueio de escrita. A imagem mental do troço de estrada está completamente formada na minha cabeça mas há uma barreira que a impede de ser traduzida em palavras. Desesperante... De uma forma ou outra, eliminando elementos ou reorganizando as ideias, vou conseguindo fechar blocos. As palavras-chave desaparecem e dão lugar a blocos completos de
storytelling fluído.
Terminada a fase de escrita, deixo descansar a crónica umas horas e faço um dia normal, para descontaminar. Nessa altura regresso ao texto e faço a primeira revisão: erros, gralhas e incoerências vão sendo corrigidas. Segue-se a segunda revisão já em ritmo de leitura para "testar" a crónica. Faço sempre mais alguns ajustes, nas vírgulas e no ritmar de alguns blocos de texto. Uma nova leitura confirma que o resultado final corresponde à minha exigência.
A fase final é a colocação das imagens no servidor online e a actualização do tópico, com a respectiva inserção dos códigos específicos das imagens. Depois de carregar no botão "Submeter", dou por terminado o meu trabalho. A crónica está lançada na perpetuidade da internet...
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Ao longo do processo, como disse, muitas fotografias são preteridas seja por motivos técnicos, seja por não se encaixarem perfeitamente na narrativa. Os 15 registos abaixo deveriam, por isso, ter ficado confinados a uma pasta no meu disco de armazenamento. No entanto, hoje, foi o seu dia de sorte... espero que gostem de ver o outro lado das crónicas!