• Olá Guest , participa na discussão sobre o futuro desta comunidade neste tópico.

E a Torre ali tão perto...

RJLA

New Member
Vale mais tarde do que nunca! É segundo esta velha máxima que me tento desculpar por demorar quase um mês a publicar um rescaldo prometido. Para os mais atentos, abri um tópico no Geral no sentido de recolher alguns conselhos para concretizar com sucesso um ambicioso objectivo a que me propunha: subir a Serra da Estrela! E ambicioso porquê? Em primeiro lugar por estarmos a falar da mais alta montanha de Portugal Continental e de uma subida mítica para qualquer amante do ciclismo, daquelas que pelo menos uma vez na vida temos de fazer. E em segundo lugar pelo facto de este ano ter tido pouquíssima disponibilidade para pedalar, não encontrando na melhor forma e aumentando a expectativa sobre como poderia o meu corpo reagir perante um objectivo tão exigente. Mas a oportunidade surgiu e lá embarquei nesta espécie de loucura positiva.

5h30 e o despertador toca, colocando um término abrupto a uma espécie de noite mal dormida, prejudicada entre algum nervoso miudinho e pelo atrasar dos preparativos de véspera que às 23h ainda me faziam andar na Sport Zone a comprar câmaras de ar. Trouxa arrumada e arranco de Leiria por volta das 6h30 rumo a Viseu. Com a temperatura a subir ao mesmo ritmo da expectativa, por volta das 10h dou as primeiras pedaladas rumo à Torre, iniciando um trajecto que me iria conduzir até Mangualde e daí até Gouveia, onde as verdadeiras dificuldades iriam começar.

Os primeiros 40 km foram feitos em completa gestão de esforço, queria chegar fresco ao inicio da subida e assim aconteceu. Até Cativelos é sempre a rolar com um ligeiro sobe e desce à mistura mas que se faz sem qualquer dificuldade. A partir de Cativelos (40km) começo a subir gradualmente, como que um aperitivo para o que iria encontrar mais à frente.

A Serra no horizonte...
62833554.jpg


A chegada a Gouveia marca o início das verdadeiras dificuldades, iniciando-se um troço não muito extenso mas com uma inclinação digna de registo que me levariam a deixar a cidade para trás e a entrar definitivamente na Serra. Pela primeira vez no dia começava a sentir na pele as limitações que a relação 53-39 me iria colocar ao longo de grande parte da subida, sendo que tentei em vão trocar essa relação pela 50-34 dias antes, pois sabia que um prato 39 combinado com os meus 83kg e uma subida daquela categoria não seria a melhor combinação…Rabo levantado do selim e pedalando em pé lá cheguei a ponto de paragem para atestar os depósitos de alguns sólidos e muitos líquidos. Já agora fica o conselho, numa subida deste género e com um dia quente, a palavra de ordem é líquidos, isto sem nunca descurar totalmente os sólidos, mas sem encher o estômago. Perdi a conta aos cantis de água e isotónica que ingeri ao longo da subida, sempre atestados em algumas fontes distribuídas ao longo da subida ( e que bem sabia aquela água fresca e cristalina).

O inicio da subida "a sério"...
74612513.jpg


A entrada na Serra...
11004856.jpg


A paisagem...
46437300.jpg



Neste momento já estava totalmente embrenhado na Serra e a beleza extraordinária da paisagem iam alimentando a alma e deixando o cansaço para mais tarde. Iniciam-se kms e kms de subida, subida e mais subida. Uma subida gradual, bela e que vai deixando marcas lentas.

Subi...
41480288.jpg


Subi...
37545307.jpg


e subi...
55763828.jpg


e continuei a subir...
13623127.jpg



Chego ao cruzamento para o Sabugueiro e aqui a coisa desce…”mau sinal”, pensei para mim mesmo! Até ao Sabugueiro percorre-se uma descida que me custou mais do que a subida que tinha feito até então, principalmente devido ao mau piso da mesma. Desaconselhado.

Momentos antes de iniciar a descida para o Sabugueiro...
50180781.jpg



Chegada ao Sabugueiro, a descida continua, curva à direita e de repente a bicicleta parece que cola ao chão!! É incrível a parede que se ergue logo após o Sabugueiro e a mudança brusca e demolidora de andamento que enfrentamos. Era preferível aquela descida nunca existir! É após o Sabugueiro, com 70 km nas pernas, que o verdadeiro inferno se inicia! A subida é demolidora, as inclinações não dão margem a descanso e é assim que percorremos os 5 km mais duros de toda a etapa! Foram os 5 km mais longos que experienciei desde que ando de bicicleta, ao longo dos quais tudo e nada vem à cabeça, ao longo dos quais desafiamos os limites do nosso corpo e, na falência deste, recorremos a essa coisa incrível que é a força psicológica. E acreditem, o lado psicológico é imprescindível numa subida como esta.

O inicio do "Inferno"...
80272132.jpg


Alta montanha...
25305834.jpg


Sem palavras...
62021639.jpg

27037546.jpg



Chego à Lagoa Comprida com cãibras a dar sinal e com duvidas sobre o sucesso desta epopeia. Já estou acima dos 1500 metros e o ar começa a fazer-se sentir mais pesado, o corpo dá de si e paro por momentos. Olho à minha volta, contemplo a grandiosidade da paisagem de montanha, num ponto onde os imponentes blocos de granito já dominam sobre a vegetação rarefeita…não há duvidas, estou em alta montanha e a pouco mais de 10 km de alcançar o seu topo. O objectivo está ali tão perto e não será o corpo que me fará ceder e deixá-lo para depois. Pensei : “estou aqui, agora, e é hoje que vou chegar lá acima, nem que seja de rojo!”.

Uma pausa...
63623859.jpg


E assim foi, a inclinação deixa de ser tão acentuada, o corpo fica anestesiado pela descarga de adrenalina e pela determinação de alcançar um objectivo que há muito se persegue e que está ali, já à vista! Avisto a Torre, ali tão perto, mas tão longe! Confesso que este é dos momentos mais marcantes de toda a subida. É ai que sentimos que já não podemos voltar atrás, que o objectivo é visível e quase palpável.

Torre à vista...
73408432.jpg

30893280.jpg


Beleza pura...
52509676.jpg

62577733.jpg


A ultima subida...
62317127.jpg


A Torre ali tão perto...
94342313.jpg


A Torre parece fugir, o asfalto teima em subir e em não ter fim. Aos 83 km entro num sector de planalto e numa ligeira descida, para de seguida iniciar os 3 últimos kilómetros a subir. Vou buscar forças onde estas já não existem e chego à Torre…1988 m! É um momento mágico e indescritível aquele em que sentimos o objectivo alcançado e contemplamos a vastidão da paisagem, em que concluímos que à nossa volta nenhuma outra montanha mais alta se ergue e em que sentimos o ar gélido a entranhar-se na nossa pele! Dou algumas voltas lá em cima, interiorizo o momento, penso que foi muito mais do que uma subida de bicicleta, foi uma desafio pessoal, uma lição de vida e uma experiência que marcará para sempre a minha vida!

O tecto de Portugal...
90127854.jpg


A fiel companheira...
46058713.jpg


Premeio-me com uma belíssima sandes de queijo da Serra, imortalizo o momento e preparo-me para a descida. Sim, meti na cabeça que queria a experiência completa, e essa inclui, não só subir a Serra da Estrela, como também descê-la. Visto mais alguma roupa e inicio a descida até Seia com o devido cuidado, mas com uma pequena dose de loucura em momentos verdadeiramente vertiginosos. A descida é uma experiência arrebatadora, aqueles kilómetros que demoraram horas a subir, passam agora num ápice. A subida do Sabugueiro faz-se com uma facilidade incrível, como se as pernas estivessem frescas e chego a Seia com uma arrebatadora sensação de dever cumprido. Objectivo superado! Este já ninguém me tira!
32024816.jpg


Ficam os dados de um dia sem pressas, sem correrias mas com um objectivo bem definido :

Aqui
 

Scorpio

Banned
Parabéns!

Segundo as palavras do Azevedo a Serra da Estrela é das subidas mais duras que ele conhece e olha que ele correu tudo o que havia para correr!

Boas pedaladas
 

jnap

New Member
Muitos parabéns pela meta alcançada!

Tive a olhar para os teus dados da Garmin, houve uma parte da tua viagem em que o teu ritmo cardiaco chegou aos 101%, isso é que era vontade! Hehehehhe
 
Last edited:

osicran

New Member
Pois demorou, mas valeu a pena. O homem sonha e a obra nasce...O relato está magnífico, como magnífica terá sido de facto a sensação de chegar ao topo. Valeu a pena esse esforço hercúleo!
 

Mingus

Member
RJLA, muitos parabéns pela conquista dos quase 2000mts de altitude.
Obrigado pelas palavras que escreveste pois consegui, durante estes minutos, transportar-me para a tua viagem. É fantástico as sensações que descreves, típicas deste tipo de voltas a solo e que provavelmente todos os que fazem isto sozinhos também sentem.
Mais uma vez, muitos parabéns.
 

RJLA

New Member
Obrigado pelas palavras! É realmente uma experiência que aconselho vivamente a quem anda nestas lides das bicicletas...nem que seja uma vez na vida.

jnap, esqueci-me de mencionar que o meu Garmin a dada altura ficou maluquinho e começou a dar-me um batimento cardíaco totalmente disparatado...não liguem!
 
Amigo RJLA, boa pedalada sem duvida! Um dia vou tirar as medidas a essa subida, vou meter no meu caderno de encargos!! Sem pressas é que conta quando se tem um objectivo! Se fosses num grupo provavelmente e pela maneira como descreves não terias passado de Sabugueiro. Continua a dar-lhe certinho!!
Uma questão, a que altitude arrancas-te?
 

alpha

New Member
Bom relato. Parabéns.

Pessoalmente pensei que me ressentisse devido ao ar rarefeito. Tal não aconteceu. Não senti nenhuma redução no meu desempenho fisíco durante a subida. Nem mesmo as pulsações aumentaram anormalmente.

Boas pedaladas
 

Miro

New Member
A única coisa que se sente é na zona da passagem do túnel para cima uma diferença de temperatura.

Eu e um grupo de amigos fomos ums dia severeamente surpreendidos quando saimos da covilhã de manga curta com 24º e um lindo sol. E na passagem pela zona do túnel o termómetro já marcava 1º com um nevoeiro serrado. Foi uma queda de mais de 20º. Devido ao esforço e à baixa temperatura cheguei à Torre quase em hipótermia... Acabei por nem descer a serra. Optei por vir de carrinha.

Também já apanhei uma subida infernal com 30º às 9 horas da manhã... Mas essa lá se aguentou.
 

fogueteiro

Active Member
RJLA,

revi-me em todos os pormenores que fizeste da tua subida. Como dizes é super gratificante quando lá chegamos, mesmo não tendo uma multidão à nossa espera.

Parabéns pelo feito... venha daí a seguinte.
 

FDias

New Member
Parabéns! Bela jornada. Como disse no outro tópico andei por lá uma semana mas não levei a bike, não foi por medo da serra ou falta de vontade (essa cresceu de dia para dia), mas por causa da "Maria" que começou a chatear-me que nem nas férias podia largar a bike... Mas prometi-lhe que a próxima vez que for para aqueles lados é para subir à torre de bike. Ao ler um relato destes ainda fico com mais vontade. Por momentos também eu estava a pedalar em pé serra acima... ...muito bom... é por relatos destes que sempre venho a este fórum. Obrigado pela partilha e pela paixão!
 

RJLA

New Member
Chivas, sinceramente não te invejo a sorte. Se tivesse a Serra da Estrela todos dias à porta acho que perdia toda a aura mítica em torno da mesma. Assim, por ser algo a fazer muito esporadicamente será sempre bastante especial. Mas claro, aquilo que para mim foi um dia especial, para quem vive aí foi apenas mais um dias, apenas mais uma subida à Torre...:) Haja pernas por esses lados ;)
 

berg106

Member
Boas...

Dia 13 de Agosto vamos subir até à Torre por Seia, aproveitando para assistir á chegada de uma etapa da Volta a Portugal em Bicicleta.
Alguns concelhos de quem já tenha feito essa subida, que tipo de alimentação antes e durante a subida, em relação ao equipamento, o que vestir?
O inicio desta "aventura" será mais ou menos 60 km antes de Seia, pelo que totalizará por volta dos 90 km.
Agradeço alguns concelhos.

Abraços...
 

AndreSchleck

New Member
Caro RJLA,

muitos, muitos parabéns pela subida... Não sei se te lembras, mas no tópico geral que abriste fui o único "maluquinho" a alertar-te para o perigo escondido que é a descida do Sabugueiro, agora percebes porquê...

Eu tentei subir a serra há 2 anos atrás e fiquei-me pela lagoa cumprida, foi exactamente após a descida que fiquei de rastos... Este domingo vou lá outra vez e desta vez é para chegar lá acima custe o que custar... obrigado pelo relato, é encorajador...

Abraço e parabéns!
 

JG/..

New Member
Boas noites.
Não sendo eu muito de postar nestas locais, sou mais de leitura e estudo mediante as minhas aventuras, deixo-vos aqui o meu "suspiro".
Acerca de dois anos atrás tentei fazer o percurso saindo de Trancoso ( a norte de Celorico da Beira) a caminho da mitica Torre, pertendendo fazê-lo por Seia.
Tombei após um errado primeiro abastecimento em Seia.
"Morri" no último portão do "Museu do Pão".
Acabei por efectuar e ao mesmo tempo efectuar o reconhecimento do que é a subida por Seia.
Antes de ligar ao meu carro de apoio, prometi a mim mesmo, que organizaria a minha vida pessoal e profissional e, faria as três subidas até à Torre em dias diferentes mas com o menos espaço de tempo possivel.
Aconselho a quem ainda não efectuou nenhuma, que se lhe fôr possivel façam primeiro um reconhecimento de carro.
Para mim, amador no pedal, foi muito importante. Parou-me a ansiedade e fez-me respeitar muito mais quem a sobe em ritmos alucinantes.
Um mestre do pedal, que para mim sempre me disse, que nesta coisas é preciso comer quando não se tem fome, e beber sempre que te seja permitido tirar a mão do guiador.
Abraços, e, muito cuidado nas descidas.
 

RJLA

New Member
berg106, julgo que retirarás algumas dicas úteis se leres o meu relato e o de outros users deste fórum. De qualquer forma, a alimentação é crucial numa empreitada destas. Come, mesmo quando não tens fome. Não enchas o estômago mas não descures a alimentação. Antes de começar a subir comi algo mais substancial, nomeadamente uma sandes e uma coca-cola. Ao longo da subida julgo que deverei ter comido umas 5 barras de cereais e um gel. Foi das poucas vezes que notei que esta coisa do gel dá mesmo resultado. Quanto a líquidos, julgo que não é preciso dizer que é tão ou mais importante que a alimentação. Bebe com frequência e em pequenas quantidades. Encontras algumas fontes ao longo da subida nas quais poderás reabastecer. Deverei ter ingerido dois bidons de 750ml de água e um de bebida isotónica.
Quanto a vestuário, em Agosto não deverá estar muito frio, mesmo lá em cima. De qualquer forma é sempre aconselhável levares um corta vento ou um abafo para a descida, caso estejas a pensar fazê-la. Acredita que durante a subida quanto menos roupa levares melhor :) Caso não possas levar roupa para a descida, sempre podes optar pela tática do jornal por dentro do jersey...
De resto é ter pernas e, acima de tudo, muita força psicológica. Acho que o psicológico é muito mais importante numa subida destas do que propriamente as pernas.

AndreSchelck, de facto aqueles kms de subida após o Sabugueiro são demolidores. A bicicleta parece colar-se ao chão após a descida do Sabugueiro e inicia-se a grande dificuldade da subida até à Lagoa Comprida. Quem aí conseguir chegar, tem a Torre nas mãos.

Boas subidas!
 

berg106

Member
Obrigado pelas dicas...
O objectivo mesmo é conseguir chegar pelo que as obrigatórias paragens serão para repor os líquidos e sólidos.
Haverá alguma vantagem, ou será mesmo uma desvantagem chegar á subida de Seia já com quase 60 km?
Abraços...
 
Top