Como um dos estreantes nestas andanças, foi obviamente uma experiência marcante e da qual ficou muito para contar e da qual retirei uma boa dose de ensinamentos. Confesso que tenho perdido um pouco o ímpeto de deixar por aqui grandes prosas sobre o que quer que seja, pelo que resumirei a experiência em alguns tópicos que considero essenciais quanto às impressões com que fiquei, quanto ao que aprendi e quanto aos momentos que me marcaram durante um longo dia de pedaladas.
Os momentos iniciais:
- Gostei muito do acolhimento, desde o primeiro minuto. Pessoal afável, simpático, educado, simples e disponível. Senti-me em casa assim que cheguei a VFX;
- Bike check sem dramas, briefing inicial esclarecedor e excelente ambiente entre os presentes. Hora de arrancar.
Primeiras impressões:
- Verdinho nestas andanças, nunca me tinha proposto a pedalar uma distância tão longa, pelo que tinha consciência de que não podia entrar em entusiasmos iniciais e que deveria pôr em prática o que vou aprendendo através daqueles com experiência no assunto. Obrigado André, Valter, Zé Mota e mais uns quantos que vou tendo o prazer de conhecer/ler/falar/acompanhar. Os kms iniciais foram, portanto, para sentir o pulso à heterogeneidade do grupo à partida. Chegado ao primeiro PC (km 8) já tinha percebido onde me haveria de colocar e qual o ritmo que deveria impor, de forma a não hipotecar um objectivo que queria muito alcançar. No entanto, quis o destino que o ritmo confortável que encontrei fosse precisamente entre os mais rápidos da frente e o grosso do grupo que vinha mais para trás. Resultado? Pedalei 80% dos 218 km sozinho! Ainda assim, deu para trocar algumas interessantes e válidas impressões com outros randonneurs nos PC e para estabelecer uma cooperação muito natural e instintiva com outro rapaz que, ora passava ele, ora passava eu, mas que ando sempre mais ou menos no mesmo ritmo que eu. Esta colaboração foi essencial para os últimos 20 km, já de noite.
O percurso:
- Mesmo sendo predominantemente plano, achei o percurso muito interessante e sempre com motivos de interesse...nem que fosse para tentarmos sobreviver intactos aos longos pedaços de estrada com vestígios de alcatrão
- Estradas rurais, sem trânsito, com paisagens que ajudavam os kms a passar. Perfeito!
- Pequeno percalço na navegação (por culpa própria) após Alpiarça, mas resolvido sem drama.
- Sendo eu originário daquela região, onde nasci, cresci e onde volto com frequência, não tive muito presente aquele factor extra de entusiasmo em descobrir coisas novas. Não esmoreci por isso...talvez tenha tirado menos fotografias do que o habitual. Ainda assim, descobri pequenos tesouros que desconhecia...Quinta da Cardiga, Ponte Rainha Dona Amélia, Reguengo, Pombalinho....alguns exemplos.
- Ah, e tal, o percurso é plano, qualquer gajo faz isso!! Pois...não é assim tão linear. É plano, sim, mas isso implica uma pedalada constante, não há descidas para aproveitar o efeito da gravidade e o vento de frente na desprotegida Lezíria também resolveu apimentar as coisas. Não subestimar o percurso!
Mais impressões...e algumas conclusões:
- Já vos falei na simpatia e simplicidade daquela malta? Pois! Aquela sopa, patrocinada pela organização, bebida em copo de plástico na ponte do Cação foi mágica! O Pedro é um gajo impecável! Sem menosprezar os restantes voluntários que tornam estas coisas possíveis.
- E já vos falei de heterogeneidade? Mas é sempre bom voltar a falar, até porque esta foi uma das características que mais me cativou. Heterogeneidade de pessoas, de bicicletas, de mentalidades, de personalidades, de sensações...de encher a alma! Uma verdadeira lição de humildade.
- Que fenómeno é aquele que ocorre aos 150 km? Ao longo de cerca de 11 horas na estrada, 9h delas a pedalar, houve dois momentos de dúvida e desânimo...um algures entre a Golegã e Constância, que o almoço e o sol naquela esplanada entre o Tejo e o Zêzere fez questão de apagar, e outro algures entre a Chamusca e Alpiarça. Quando já começava a fazer contas de cabeça e a medir distâncias à estação ferroviária mais próxima, eis que algo de surpreendente se passou entre o cérebro e as pernas e as coisas começaram a fluir com uma naturalidade que me deixou a sensação, já chegado a VFX, de que podia continuar a pedalar até amanhecer! Mais uma aprendizagem. O corpo adapta-se e a cabeça manda.
- Falemos de equipamento...a bicicleta portou-se lindamente, os pneus, já a mais de meio uso, naquelas condições, são os meus heróis e não sabia que era possível pedalar tantas horas sem desconforto. O Brooks está mais do que aprovado! A mudar? Talvez a opção por uma bolsa de guiador.
- A chegada, duas horas antes do tempo limite, deixou-me uma indescritível sensação de objectivo cumprido. Não pela média que fiz, não pela classificação que obtive (que não há), não pelos kom's que bati (nem sei bem o que isso é), mas sim por ter sido bem sucedido num objectivo íntimo e pessoal, que estabeleci para mim próprio, que me fez sair da zona de conforto, e por ter sido um dia pleno de sensações e de uma aprendizagem muito importante para o futuro...a vários níveis.
E como o que era para ser curto já vai longo, ficam algumas fotos do dia.