Ontem tinha programada a volta turística no douro internacional, com viagem de comboio até Freixo de Numão e regresso por estrada até Valongo, em 180km de cenário certamente deslumbrante.
Mas a meteorologia trocou-me as voltas, e com o tempo encoberto e a chuva dos últimos dias, não quis estragar a oportunidade de aproveitar ao máximo a viagem com bom tempo.
Por isso adiei a aventura e tive de engendrar um plano B. Não queria facilitar e portanto estipulei que esta volta teria, pelo menos, o mesmo número de quilómetros e a dificuldade seria condizente com o esperado na ida ao Alto Douro.
Munido destas permissas debrucei-me no planeador de rotas e comecei a olhar para as zonas do mapa com poucas casas...
O litoral estava completamente fora de questão, a zona de Braga e restante envolvente até lá idem e a sul do Douro para já não tenho muito mais objectivos que se encaixem neste perfil.
Sobrava ali uma zona do mapa que ainda não tinha descoberto. Mesão Frio.
Sendo que até Torrão não dá para inventar muito, analisei as várias rotas e escolhi a mais económica, por Capela, apesar da subida.
Depois seria só seguir a N108 à beira rio, com pequenos desvios aqui e ali para aproveitar a paisagem e espreitar a borda d'água se possível.
Em Mesão Frio apanharia a N101 para Amarante, e uma vez lá chegado, faria a N211-1 para evitar ao máximo a péssima N15.
Rota feita, e tinha já a certeza de bater mais uma vez todos os meus recordes pessoais em termos ciclísticos, da distância (+180km) ao acumulado (+3200m) o que se traduziria naturalmente em mais tempo a pedalar do que em qualquer outra saída.
Mind plays tricks on you.
Apesar de ter tudo planeado e preparado, no dia D acordei em estado de dúvida.
Não sei porquê, grande parte do meu cérebro dizia para eu ficar em casa e a outra pequena parte dizia para fazer uma volta mais modesta, só para rolar.
E ainda fiz uns bons quilómetros até finalmente conseguir dissipar todas as nuvens negras cerebrais e me concentrar no objectivo do dia.
E em nenhum outro dia antes tinha a parte psicológica tomado um papel tão preponderante no sucesso deste objectivo meu.
Estava então na estrada a rolar a um ritmo bastante baixo. Mais uma vez em território desconhecido, não queria arriscar a ficar pregado a 100km de casa. Subi por isso Capela com calma e aproveitava todos os declives favoráveis para descansar.
Entretanto já do lado de Alpendorada começa a paisagem bonita e definitivamente foco-me em Mesão Frio e passa a ser esse o objectivo no qual aposto cada pedalada.
A subida e o troço que me leverão até Pala são feitos a bom ritmo, e melhor ainda com a inesperada companhia de um solitário companheiro de pedalada de Penafiel que se juntou a mim algures em Sande.
Fomos em amena cavaqueira até Pala, mas ele depois iria virar em Porto antigo e fazer o caminho de volta para Carrapatelo e depois para o Marco e Penafiel.
Eu fugi mais um bocado à rota directa pela N108, em favor de uma abordagem por mais alguns quilómetros junto ao rio. Regressei à 108 por Ancede, mas deveria ter continuado por Cimo de Vila até ir ter a Santa Cruz do Douro, que foi onde acabei por fazer novo desvio, para vir espreitar o rio mais de perto. Numa próxima já sei.
Passando Santa Cruz do Douro, estava decididamente em terreno de paisagens lindíssimas, com inúmeros pontos de interesse, muitos miradouros e com a alma a comandar facilmente as pernas a cumprirem a sua missão.
Parei e fotografei várias vezes, e registei com agrado a minha incursão em mais um distrito: Vila Real.
É também aqui que se dá o grande choque do dia. Do meio do nada surgem enormes elevações que me rodeiam com ar ameaçador.
Do lado de lá a Serra das Meadas em Lamego impõe exagramas de de respeito e começo a pensar naquele enorme vinco que aparecia no meu gráfico de altimetria.
E não tive muito tempo para pensar porque, se por um lado a entrada na zona de Património da Humanidade fez desabrochar uma explosão de magníficos cenários que se sucediam ao longo da estrada, com a mesma rapidez cheguei a Gafaria, o que significava que iam começar 10 quilómetros excruciantes sempre a subir, dos 200 aos 800m, e que se apresentaram logo com rampas de 13% de inclinação.
Felizmente estabilizou nos 8%, mas com o sol a fazer a sua calorífica aparição, foi preciso uma enorme dose de auto disciplina para impor um lento mas eficaz ritmo à volta dos 11Km/h e levar de vencida a serra.
Desta irei certamente lembrar-me durante uns bons tempos. Mas irei igualmente lembrar-me que a velha máxima de que tudo o que sobe tem de descer, também aqui se aplica. E depois de 10 quilómetros a subir, a recompensa de ter 12 a descer foi um prémio muito, mas muito saboroso.
Importa no entanto dizer que o enquadramento da paisagem ajuda bastante a ultrapassar as dificuldades e coroa ainda mais a recompensa já que a vista durante a descida para Amarante é sempre impressionante.
A 5Km de Amarante a pausa mais longa do dia. Alguns minutos para retemperar forças com duas sandes mistas e meio litro de Coca-Cola, que me souberam como o melhor manjar do mundo.
Como tinha escrito antes, para fugir ao maus estado da N15, optei por cortar pela N211-1 e apanhar a N15 o mais à frente possível.
Em boa hora o fiz porque efectivamente o alcatrão aqui é tremendamente melhor, à semelhança aliás do que aconteceu durante 150km consecutivos do percurso, sendo que só mesmo a partir do momento em que entrei na N15 é que o piso se degradou incrivelmente.
No entanto, apesar da estrada ser excelente, existem 3 rampas consecutivas na zona da Ataíde que são brutais em termos físicos e psicológicos, especialmente para os quilómetros e altimetria que já tinha nas pernas.
Mas mais uma vez o pensamento positivo e o foco no destino final, que cada vez estava mais perto, ajudaram a superar mais este obstáculo.
Depois de diversos insultos à péssima qualidade do asfalto e à abundância de buracos à entrada de Penafiel fiz uma pequena paragem para um merecido refrigerante fresco e segui para atacar a subida de Baltar, a última grande dificuldade do dia.
Galvanizado pela próximidade de casa, mantive um ritmo bom, para depois recuperar na descida do Carreiro.
Mais uns quilómetros e chegava a casa, praticamente 9 horas depois de ter partido às 7h20 da manhã.
Podem ver os dados completos
aqui
Uma enorme sensação de satisfação e de superação pessoal, mas acima de tudo cheguei com a sensação de que fiz um passeio longo, sofrido, mas que me proporcionou cenários lindíssimos e que, por isso, se tornou ainda mais valioso.
Agora vai ser tempo de fazer um par de treinos abaixo dos 100km para voltar a introduzir alguma velocidade e fazer algum trabalho de força, uma vez que a resistência, essa está a progredir a bom ritmo com estas últimas tiradas.
Para terminar, os dados adicionais:
Paragens: Variadissimas, para foto e para abastecer, no total, cerca de 50 minutos
Consumo sólidos: Duas barrinhas + dois cubos de marmelada + um gel + duas sandes de queijo e fiambre.
Consumo líquidos: 1500ml de bebida isotónica + 500ml de coca cola + 330ml de Sumol Laranja + 330ml de Coca Cola