Auto-retrato de grupo nas Portas de Montemuro: Valter, Vítor e eu mesmo.
Meus caros, apresento-vos o Montemuro! (Parte I)
23 de Janeiro de 2016 // 165Km // 1840m AC+
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Segundo passeio do ano, desta feita acompanhado pelo Valter e pelo Vítor. De atitude e pedalada randonneur por natureza, são a companhia ideal para os passeios descontraídos que gosto de fazer.
Como já vem sendo hábito, fiquei incumbido de rabiscar algo interessante para a jornada. A única limitação criativa seria o limite horário e quilométrico proposto pelos convivas. Esqueceram-se foi de me avisar para ser poupado nas subidas e isso foi um erro que mais tarde pagaram caro...
Debruçado no mapa, fui estudando opções menos convencionais para fazer algo interessante. Porém, longe ainda de maluqueiras condizentes com dias mais longos. Para essas haverá tempo! Contas feitas, optei por preparar uma tranquila visita guiada a um local que nunca desilude: a Serra de Montemuro.
Por uma questão prática, poupando quilómetros aborrecidos e de circunstância, incluí uma sempre interessante viagem de comboio até à estação de Caíde, que seria depois a rampa de lançamento para esta aventura. O Vítor tomava conta do comboio logo desde São Bento, o Valter subiria a bordo em Campanhã e eu juntar-me-ia um pouco mais à frente, no Susão. A articulação horária correu como o previsto e, ainda antes das 7 da manhã, já estávamos os 3 à conversa, com as bicicletas perfeitamente equilibradas e arrumadas do outro lado da carruagem.
O dia amanheceu sem chuva mas extremamente húmido e com uma densa neblina a recobrir os vales. Prova disto, a estrada praticamente não secou ao longo de todo o dia e, face ao perfil montanhoso, exigiria cuidados redobrados na descida das inclinadas encostas da serra.
Saídos do comboio apontamos de imediato a Vila Meã. Daí pela longa descida de Sobretâmega até ao Marco de Canaveses onde, depois de uma passagem menos agradável pela variante à N321, entramos definitivamente no reino das estradas desertas e fascinantes.
Embrenhados nas estradas secundárias paralelas à linha do Douro rumamos a sul, em direcção à travessia do rio. De caminho, praticamente três cautelosos quilómetros em paralelo escorregadio até alcançar a N108. Aí, o Douro e a total imponência do maciço do Montemuro tomam conta da paisagem. É um espectáculo sempre admirável a forma dramática como a montanha se ergue sobre a bacia de Pala e Porto antigo em direcção aos 1380m do cume.
Seguir-se-ia o grande atractivo do dia: 20km e 1100m de acumulado, a coleccionar na subida desde o Rio Douro até às Portas de Montemuro, bem lá no alto. Partindo de Porto Antigo e utilizando várias estradas secundárias, escalaríamos encosta do vale do Rio Bestança ao longo dos lugares de Ruivais, Ferreiros de Tendais, Bustelo e Alhões.
A subida começa áspera, com inclinações sempre a rondar os dois dígitos durante um punhado de quilómetros. Vencida a plataforma inicial que nos arranca definitivamente ao Douro, a estrada amacia e só a espaços ultrapassaria os 7% de inclinação até ao topo.
A antiga estrada de montanha foi recentemente renovada e o asfalto é agora um verdadeiro tapete aveludado que nos suga lentamente para cima ao sabor das pausadas pedaladas. A paisagem é soberba e os companheiros de viagem não escondem o deslumbre. E muito se escondia ainda por detrás do nevoeiro que insistia em não descolar do vale.
O café Bustelo e a simpatia da proprietária apadrinharam uma paragem mais longa para retemperar forças antes de enfrentar a ponta final da subida. De Alhões para cima a estrada empina novamente e as pernas de quem preguiçou nos últimos meses começaram a fraquejar.
Uma pequena paragem para meditação e voltamos aos pedais para atacar o par de quilómetros finais. Daí a mais um pouco estava finalmente conquistada a serra e, com ela, uma das passagens de estrada mais elevadas de Portugal Continental.
Lá no alto, a escolha é desconcertante: De um lado a vista sobre o vale do Rio Bestança. Do outro, o vale do Paiva e os maciços circundantes. Cenários capazes de nos prender a atenção por largos minutos e saborosas recompensas pelo esforço anterior. Assim, sem pressas, percorremos a plataforma das Portas de Montemuro, de um lado e do outro da estrada, absorvendo e fotografando toda aquela imponência.
Mas o Montemuro exige respeito e provou-o, vendendo cara a conquista. Face ao estado de alma (e pernas) daí resultante decide-se optar por uma abordagem menos agressiva para o que restava do dia.
Foi tomada a decisão de descartar a segunda parte do percurso e as suas pendentes agressivas, em favor de algo mais ligeiro e acessível. Mentalmente desenho rapidamente um percurso alternativo. Com a Freita fora de questão, nada como conhecer um pouco mais do Montemuro para compensar. Assim, conduzo os comparsas ao longo de uma nova ligação entre a Faifa e Mós, continuando daí a seguir o contorno da montanha até Laboncinho.
As vistas continuam bem largas e a velocidade a subir e a descer é quase a mesma, fruto da contemplação a que nos vamos entregando. A aparente simplicidade da serra é desmentida pelos inúmeros vales secundários que a rodeiam e que nela se aninham. Igual número de estradas por lá se desfiam, convidando a futuras incursões para as juntar ao já longo rol de vertentes que conheço nesta serra. A sublinhar isto mesmo a descida de Laboncinho para a N225. Especialmente no seu troço final é algo de memorável, reforçando a ideia de que certamente não será a última vez que por ali passarei.
Mais um punhado de quilómetros de subida modesta até alcançar a divisão administrativa entre os distritos de Viseu e Aveiro, o referencial para o início da descida até Alvarenga. A partir daqui já só se pensava no almoço...
A paragem na capital da carne arouquesa proporcionou não só a indispensável sopa mas também uns divinais pregos no pão, cuja qualidade garantiu desde logo que o Abrigo da Paiva passará a ser paragem obrigatória em próximas visitas à região. Entre iguarias, doçarias e muita conversa, relaxamos até já passar das 4 da tarde. Estava na hora de seguir viagem...
Com as energias repostas, esperava-nos uma segunda parte de jornada bem diferente da primeira. A N225 é sempre uma estrada agradável de percorrer, com trânsito muito reduzido e um perfil maioritariamente descendente, bastante favorável à digestão do almoço.
Embalados pelas barrigas mais recheadas e ao sabor das dezenas de deliciosas curvas, chegamos à travessia do indómito Rio Paiva. Aqui, depois de Travanca, surge a última grande subida do dia: 5km até aos arredores de Castelo de Paiva. Aí chegados é rápida a descida até ao Douro para uma última paragem, antes da ligação até ao Porto. No regresso a casa, o relógio manda que não se invente muito e, é com pena que abdico da N222 em favor da N108.
A famosa N108 nunca tem muita história e, felizmente, desta vez também não teve muito trânsito. Assim sendo, arregaçamos as mangas e pedalamos convictamente para despachar rapidamente a questão, especialmente porque o sol já desaparecera e a escuridão instalava-se definitivamente.
Dessa forma, em pouco mais de hora e meia, chegamos a Campanhã. Não sem antes provar o rebuçado da Rua do Freixo, a relembrar o mote inclinado da primeira metade do dia.
E assim, na grande estação, terminou o dia. E tal como começara, voltei ao comboio para a viagem final até casa. Mesmo a tempo do jantar...
Pelo que fui percebendo o aperitivo do Montemuro foi saboreado com gosto. Muito há ainda para ver e certamente que este ano pedalaremos juntos à conquista de outros quantos objectivos, mais ou menos megalómanos.
Mas, para já, um pequeno interregno até me lançar numa próxima aventura por estradas desertas e fascinantes...
Até breve!