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A mítica Estrada Nacional 2

afonsobtt

Well-Known Member
E o maluco sou eu...
lá terei que baixar a fasquia para 48 horas no stop...:)
bem me tentaram,mas nesta altura as obrigações são outras...
Mais uma vez deixo os meus parabéns a estes 3 grandes amigos do pedal...
 

vhugocosta

Well-Known Member
Bom dia a todos..

De volta á realidade e depois do "empeno" dos ultimos dias, estou seguro que recolhemos muita informação util para qualquer um dos formatos em que se esteja a pensar fazer esta travessia, relativamente a muitas das questões que foram levantadas, comboio ou autocarro? hotel ou bombeiros? quantos dias? cuidados a ter...etc.


Da minha parte no que puder ajudar já sabem, vou estando por aqui, mas agora é hora de descansar o corpo e colocar as ideias em dia, pensar em tudo o que aconteceu, como aconteceu, e mais importante recuperar o sono...em breve novidades!

Tal como se costuma dizer quando completamos uma longa distancia desta forma, em que "enjoamos" da bicicleta, pois desta vez não vai ser diferente e portanto acho que vou ter tempo para poder estruturar a minha visão sobre a N2 até ao final do ano; será certamente diferente daquelas que o André nos costuma presentear (ainda bem que é assim), até lá, boas pedaladas e façam por se divertir.
 

trepadores da Figueira

Well-Known Member
Como alguém já aqui escreveu >>>> Daqui a nada tens o Carlos Franco à perna <<<< Não sei se agora está Tripla que fez a N2 veio beber algumas dicas informação da travessia feita em 2012, A Chaves-Faro-21-a-24-de-Abril-de-2012,

((http://www.forumciclismo.net/showth...N2-Chaves-Faro-21-a-24-de-Abril-de-2012/page5 ))

Mas como agora temos 3 magos das longas distancias fizeram o Travessia da N2 é que é inédito.
Vamos esperar pelos fotorelatos do André Carvalho / Valter Hugo Costa / Luis Carvalho.

Assim sendo estou mesmo deveras a pensar já não fazer a travessia da N2.
 

vhugocosta

Well-Known Member
Trepadores da Figueira

Sobre esse assunto tens de perguntar ao André, ele foi o responsàvel pela verificaçæo e validaçæo do track, mas certamente que usou essa fonte.

Jà quanto à analogia dos magos, e tendo em conta a altura festiva, foi um factor de motivação desde inicio, perceber como cada concelho vive e investe nesta epoca quanto às decorações natalicias; de realçar temos Viseu que nos fez parar para tirar uma foto, e uma pequena povoação julgo que antes de Alcaçovas, em que no meio da praceta tinha um presépio em escala real em que nos deu vontade de parar e encostar cada uma das bicicletas a um rei mago. Porém estavamos curtos de tempo e apesar do adiantado das horas podiamos ser mal interpretados, por isso decidimos seguir caminho.

Os relatos saiem em breve..pelo menos o meu.
 

JPLopes_73

Well-Known Member
Boas,

entendo que se está a desperdiçar recursos importantes ... entre eles o tempo. Para mim as coisas só têm uma forma de se fazer. Têm de ser feitas! Programa não sofre alterações e espera colher ensinamentos importantes.

Bem sei que o Valter nos vai mandar dormir na vala mais à mão ... mas depois se decidirá ;)

Os aventureiros ... prestam-se à AVENTURA
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venha de lá esse track ;) também fico com ideia que com o evoluir do tempo ... cortam-se curvas e o percurso vai ficando mais curto ...
 

JPLopes_73

Well-Known Member
Boas,

agradeço as informações transmitidas pelo André no seu topico e pedia que aqui fizesse um pequeno resumo de como se resolvem as cenas mais problematicas do tipo:

- como começamos? dormimos em chaves?
- check points importantes?
- alguma regra para contar marcos hectómetricos?
- onde dormimos? Na valeta?
- quando paramos? um dia destes?
- como regressamos? na camineta?

Agradeço em avanço e desculpa estar a esticar o teu tempo ;)

Abraço

JPLopes
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duchene

Well-Known Member
No seguimento da nossa travessia da Estrada Nacional 2 e como o meu relato detalhado poderá estar a algum tempo de distância, deixo-vos aqui alguns parágrafos acerca de questões práticas que poderão ser úteis a quem pensar fazer algo do género.

São apontamentos que fui validando ao longo dos últimos tempos, confirmando-os quer nos brevets, quer nas aventuras a solo. Como é óbvio, o corolário de tudo isto foi este último devaneio ao longo da terceira estrada mais longa do planeta. Muito do que abaixo está plasmado é também fruto da troca de impressões com outros ciclistas e randonneurs, num processo de aprendizagem contínuo e que está longe de estar terminado.

Escusado será dizer que, naturalmente, o que se segue são indicações pessoais, adaptadas à nossa realidade da N2 e a um contexto randonneur no geral: jornadas longas, contínuas e em total autonomia.

A escrita está um pouco enferrujada e acabei por me esticar para além da simples lista de mercearia... Por isso, e se qualquer dúvida subsistir, façam o favor de perguntar!

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// O objectivo N2


Pedalar dia e noite, noite e dia. Esta não é certamente a forma certa para conhecer a EN2. Mas será, concerteza, uma excelente forma de a viver. Compactar 740Km em cerca de 60h permite ter uma visão única sobre a metamorfose que a estrada sofre desde Trás-os-Montes até ao Algarve, tornando-se a travessia numa experiência bastante intensa.

Não há pausas, não há afastamento nem isolamento. Nunca perdemos a estrada de vista, nunca deixamos de estar sob a sua influência. Passamos a fazer parte dela. E tudo o que fazemos tem como objectivo continuar para Sul, percorrendo quilómetro atrás de quilómetro, até ao objectivo final. E o objectivo é, garantidamente, mais do que o mero quilómetro 738.5.

O objectivo passa a ser a estrada em si e por si... Chegar é apenas uma pequena fracção daquilo que realmente se conquista no final da jornada.

Pelo que fui lendo, parece que fomos os primeiros a anunciar ter feito a travessia de forma contínua numa só etapa. E mais ainda em Dezembro.

Em todos os outros casos existiu pernoita e/ou carro de apoio e as travessias foram efectuadas em estações do ano mais agradáveis e de dias mais longos. Pode parecer insignificante, mas não ter um leito confortável nem um pequeno almoço tranquilo e abundante faz uma diferença considerável. O desgaste é infinitamente maior e na cabeça permanecem mais preocupações em termos de segurança, navegação e gestão. Isto adiciona naturalmente dificuldade ao desafio já de si rebuscado. Já para não falar na carga estática da bicicleta que é preciso transportar estrada fora...

Enfim, foi uma aventura e pêras!

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// Percurso

Travessias da N2 já foram mais do que muitas: de moto, automóvel ou bicicleta. São várias histórias prepetuadas por essa internet fora e muitas outras haverão que nunca foram contadas on-line.

Dos relatos que estão acessíveis e documentados, muitos forneceram interessantes dicas sobre o que poderíamos encontrar ao longo dos 738,5 Km oficiais da estrada, agora reduzidos numa vintena de quilómetros em virtude das alterações que o traçado sofreu ao longo das suas sete décadas de existência.

O percurso da N2, de forma simplificada, não tem grandes segredos. Seguindo a estrada e tendo noção do alinhamento das principais povoações, facilmente se navega de Norte a Sul.

Encarregue de rever o percurso, de minha parte não me preocupei muito com outros aspectos a não ser conseguir fazer o decalque mais fiel possível do traçado original. Em muitos casos foi totalmente impossível já que a estrada foi obliterada e extirpada das mais variadas formas. Acabei por falhar numa ou noutra passagem. Mas sei que dei um cunho pessoal noutras tantas. Passamos em lugares que muitas outras travessias falharam, por seguirem o óbvio traçado dos mapas digitais. Mais detalhe e fidelidade certamente se conseguirá, mas só com uma incursão profunda nos arquivos municipais de todas as câmaras ao longo do percurso, no sentido de perceber quais os arruamentos urbanos que foram sobrepostos ao traçado inicial da estrada.

Mesmo assim será virtualmente impossível percorrer, na legalidade, o traçado original. Isto pela simples razão de que algumas das passagens originais são agora sentidos únicos Sul-Norte. Mas tal levantamento exaustivo do traçado é trabalho que só se justificará de futuro, numa travessia muito mais documental e menos autónoma.

Mais desvio, menos desvio, existem incontáveis pontos de interesse ao longo da N2: Desde logo os sete marcos quilométricos das centenas, bem como o marco do KM 0 e o pequeno mas muito desejado marco hectométrico dos 500m do km 378 que assinala o final real da estrada, no centro de Faro. Também merecedor de uma visita é o incontornável desvio ao gigante marco geodésico implantado no centro geográfico de Portugal Continental, o Picoto da Melriça. Paralelamente, um sem número de barragens, pontes, edifícios, estruturas, povoações e paisagens brindam os viajantes. Muito há para ver e tivemos de resistir ferozmente à vontade de parar em todos estes lugares fantásticos já que pedalávamos com o tempo contado...

Na sua generalidade a estrada está em boas condições de conservação, exceptuando-se alguns troços a sul que têm um tapete de qualidade inferior ou mais degradado. Existem também algumas zonas em obras que obrigam a atenção redobrada, já que é a faixa de circulação para Sul a mais afectada.

O perfil altimétrico, como seria de esperar, é mais montanhoso a Norte, aliviando progressivamente nas regiões a Sul. Contudo desengane-se quem julga que no Alentejo é "sempre a descer". A altimetria está distribuída numa proporção aproximada de 60% até Vila de Rei e 40% no restante percurso, pelo que não se poderá falar propriamente em facilidades a partir de meio da viagem. Especialmente quando mesmo no final ainda é necessário ultrapassar os aparentemente modestos mas enganadores 550m da Serra do Caldeirão, antes da chegada a Faro.

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// O grupo de trabalho

O que escrevo abaixo é válido para uma travessia da N2 como a que fizemos: directa e sem folgas. Poderá não ser inteiramente aplicável numa versão com pausas para descansar e recuperar os níveis físicos, nutricionais e de humor. De igual forma, aplica-se sobretudo numa lógica de grupo, em que todos saem e chegam juntos porque, efectivamente, estão a pedalar juntos.

Numa abordagem puramente randonneur, a dinâmica é baseada num modelo em que cada um está entregue a si, em modo absolutamente autónomo. Por isso as interacções de grupo são menos importantes já que podemos simplesmente ir à nossa vida caso as coisas não estejam funcionar bem.

Aqui, contudo, havia o compromisso de que seria um passeio randonneur a três. Portanto, para todos os efeitos, teríamos mesmo de nos aturar até ao final durante a esmagadora maioria do tempo.

Eu apareço nesta história como mero convidado, caso ainda não tenham percebido... O responsável pelo convite que muito me honrou foi o Valter, que é um pouco mais doido do que eu no que toca a querer fazer grandes tiradas em Dezembro. Mas, encontrasse-me eu no papel inverso e certamente que a minha shortlist de nomes a convidar para uma aventura destas não seria muito maior do que 5 ou 6 nomes... e com estes mesmos três lugares desde logo ocupados.

Pedalar 740Km não é propriamente algo que se faça em meia dúzia de horas. Nem mesmo em, digamos, 14 horas. E 14 horas talvez seja o tempo máximo que já pedalaram ao lado de alguém. Por isso, pedalar esta distância em grupo, significa que há um certo compromisso de se aturarem uns aos outros no decorrer da longa jornada.

Nós passamos por situações verdadeiramente indiscritíveis e absolutamente hilariantes. Mas também estivemos em lugares mentais e anímicos muito complicados e bastante polarizados, em que foi preciso uma grande dose de racionalidade, auto-controlo e entreajuda para continuarmos. E nem sempre era um jogo de 2 a animarem 1. Muitas vezes eram 3 a tentar descobrir o verdadeiro sentido daquilo que estavam a fazer.

Mas a coesão foi total, do primeiro ao último minuto. Trabalhamos em conjunto quando assim foi necessário e também criamos espaços e "bolhas" individuais que permitiram a cada um reencontrar-se em determinados momentos de maior instrospecção.

E isso não acontece por artes mágicas! Pode dar-se a sorte que corra bem. Mas a sorte é coisa que se deve evitar quando estamos a atravessar o país desta forma...

Daí que eu seja mais apologista de fazer estas doideiras extremas "por convite". Porque sabemos com quem vamos pedalar e de que forma essas pessoas reagem sob pressão. No nosso caso o grupo era constituído por dois super randonneurs (ciclistas com uma série de brevets de 200, 300, 400 e 600km no mesmo ano) e por um outro tipo com alguma experiência em brevets e em muitas etapas de longa distância a solo.

Já tínhamos pedalado juntos antes. E mais. Já tínhamos pedalado 24 horas juntos. Portanto sabíamos o que esperar em termos de ritmo, responsabilidade na estrada e de socialização no geral. E isto é tão, mas tão importante...

Não se trata apenas de capacidade de pedalar e de ter força nas pernas. Em boa verdade, com disciplina de treino, qualquer um consegue ser o ciclista mais rápido do bairro. Trata-se sobretudo de ser um ciclista que possua uma enorme responsabilidade, autonomia, capacidade de análise e plasticidade comportamental. Coisas que ditas assim parecem rótulos de clube de elite e de tipos que se acham melhores que os demais...

Contudo, nada é mais errado! Na verdade, estes são apenas predicados essenciais quando queremos fazer com que algo desta magnitude resulte e que a experiência no seu todo seja verdadeiramente memorável, pelos melhores motivos.

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//Bicicleta e equipamento


A bicicleta é, nada mais nada menos, o nosso único meio de transporte de Chaves até Faro. Escusado portanto será dizer que deve estar totalmente revisionada, afinada e lubrificada. Os componentes não devem estar em fim de ciclo e esta não deve ser a "última volta antes de trocar tudo". Quanto menos potenciais fontes de problemas, melhor.

Todos as questões pendentes com ajustes biométricos devem ser solucionadas antes sequer de se pensar em fazer uma travessia destas. Uma coisa é aceitar um pequeno desconforto ainda não resolvido que temos de tolerar durante 1 ou 2 horas e que chateia só no final da volta. Outra, completamente diferente, é aguentar horas a fio a pedalar de forma desconfortável. Isto não é a volta ao quintal com os amigos. Muito menos é uma daquelas voltas longas de 200km. São nada mais do que duas vezes e meia 300Km... só isso! Qualquer pequeno incómodo vai, por isso, ser amplificado vezes sem conta até tornar o passeio num calvário ou pior, forçando a desistência.

Outra regra de ouro prende-se igualmente com a perigosidade de experimentar o que quer que seja, pela primeira vez, numa tirada longa. Os testes fazem-se perto de casa. Há coisas que se desapertam com a vibração e mudam de posição, outras batem nas pernas quando pedalamos de pé, outras ainda são difíceis de manobrar em determinadas posições. Por isso: testar, testar e testar antes de avançar...

E isto aplica-se ainda mais ao vestuário! No mínimo duas voltas bem longas para aferir o correcto ajuste, conforto e habituação ao uso. Não devemos esquecer que uma peça de roupa que incomoda desgasta-nos em duas vertentes: Por um lado o incómodo em si. Por outro, o desgaste psicológico de ir sempre a pensar naquilo.

A bicicleta não necessita de ser específica para longas distâncias. Contudo, os benefícios de uma geometria mais relaxada e de periféricos mais confortáveis, são por demais evidentes ao fim de 20 ou 30 horas a pedalar.

A iluminação é fundamental, caso estejam previstas pedaladas em horário nocturno. Mas não só! Condições atmosféricas adversas como o nevoeiro que apanhamos durante grande parte do primeiro dia são um bom exemplo da necessidade permanente de ter à disposição um bom conjunto de iluminação.

Uma boa luz frontal não tem de ser necessariamente tão forte que sirva de farol de aviação. Luzes com a potência correcta durarão mais tempo e cansarão menos os nossos olhos. Material de qualidade, sobretudo ao nível das baterias, é preferencial. No meu caso usei uma luz principal alimentada por 4 pilhas AA Sanyo Eneloop. Dois jogos de pilhas chegaram e sobraram para as duas noites e bastantes horas diurnas. Esta luz foi apoiada por uma outra luz de bateria que faz o papel principal nos troços lentos de iluminação zero e nas subidas, onde uma luz menos potente serve perfeitamente para navegar sem hesitações. A luz foi recarregada duas vezes pelo powerbank e ainda tinha carga à chegada a Faro. A solução por pilhas AA para mim faz todo o sentido, já que é algo que se compra em praticamente qualquer povoado em horário de expediente. Ainda assim, provavelmente conseguiria ultrapassar mais uma noite com a solução combinada que tenho e usando apenas os dois jogos de pilhas com que saí de Chaves.

Quanto à luz traseira, esta deve ser bem visível, sendo de evitar luzes que apenas servem como indicação de presença, daquelas com 1 ou 2 leds minúsculos. A luz deve ser colocada em modo fixo! Criou-se o mito de que uma luz a piscar chama mais a atenção dos condutores mas, na verdade, a luz fixa é muito mais eficaz no cálculo das distâncias. Para além do mais, uma luz fixa é muito menos irritante para quem segue atrás de nós. Por alguma razão, apenas as luzes sem modos intermitentes são permitidas, por exemplo, nas estradas alemãs.

Nunca esquecer que deveremos transportar uma luz suplente de cada e pilhas extra para todas as luzes. E também devemos verificar, de tempos a tempos, a correcta fixação e funcionamento das luzes. Não vá alguma ter ficado perdida naquele troço de paralelo há 10 quilómetros atrás...

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// Carga e packing list

Nas caminhadas de montanha muitas vezes aplica-se a máxima de limitar a carga extra a cerca de 10% do nosso peso corporal. Nas bicicletas e numa perspectiva de light touring, será também um bom tecto de referência. No meu caso a carga total rondou os 7 quilos e meio distribuídos entre saco traseiro + saco de compressão acoplado (5.5Kg o conjunto) + bolsa de quadro (1.3Kg). A isto terá de se somar um quilo para os dois bidões cheios. Contas feitas e grosso modo, tinha então, os tais 10% face aos meus 80Kg actuais.

Nos randonneurs aprende-se que comida se compra em qualquer lado. Roupa nem por isso. Portanto a primazia da carga foi dada à roupa que, infelizmente também é o que ocupa mais volume. Roupa adequada às condições expectáveis de dia mas também roupa mais quente para a noite.

Como é obvio, a escolha do que levar é complicada e deve adaptar-se às condições atmosféricas esperadas bem como à noção de temperatura corporal que cada um tem. Apenas referir que a temperatura nocturna pode ser bastante baixa. Ainda mais quando vamos a descer a serra. E muito mais perto de cursos de água... Por isso convém estar prevenido, mesmo em meses com dias mais quentes.

Eu gosto de me vestir por camadas ao invés de usar apenas uma camada mais grossa. O "modo cebola" permite gerir muito bem a temperatura corporal, já que vou colocando e retirando roupa conforme as necessidades. Para os dias particularmente frios e húmidos da nossa travessia, a indumentária ao longo das 24 horas foi basicamente a mesma: Baselayer em merino e jersey em merino, ideais pelas suas propriedades de regulação da temperatura corporal; um casaco ligeiro para criar uma bolha de calor e, o elemento mais móvel era o corta-vento, que foi sendo colocado e retirado ao sabor do conforto. O colete reflector, usado em permanência, actua igualmente como uma camada extra e adiciona ainda mais protecção ao tronco. Todas as peças são de fecho integral pelo que também dessa forma, abrindo e fechando as peças individualmente, ia contrariando as flutuações da temperatura exterior. Por baixo da capacete, um chapéu de algodão mantinha a cabeça a uma temperatura agradável, noite e dia. E para rematar a parte superior, o sempre versátil Buff, que permite selar a entrada de ar frio pelo pescoço e ainda proteger a cara e orelhas do cortante frio nocturno.

Para as mãos a escolha é sempre mais complicada porque não gosto de usar luvas. Contudo são imprescindíveis em condições de frio cortante como as que nos saudaram na primeira parte da nossa jornada. Para essas alturas tenho umas luvas verdadeiramente de inverno, com material Windstopper e que uso sempre que a temperatura anda abaixo dos 5ºC. Acima dessa temperatura, umas luvas mais simples, cardadas mas bastante maleáveis, são o suficiente. As primeiras fizeram-me companhia até à Régua e as segundas no resto da viagem.

Nas pernas e pés, pernitos de merino e capas impermeáveis, mantidos durante quase toda a jornada, excepção feita ao ensolarado final de tarde na Serra do Caldeirão. Os pernitos são quanto baste para mim, mesmo nas noites geladas, uma vez que nunca tenho muito frio nas pernas. Já os pés são mais friorentos. Aqui, novamente o merino das meias chamado a regular a temperatura, com as capas de sapatos a manterem tudo bem agasalhado.

Fora da bicicleta, para as famosas "power naps", é essencial uma manta de sobrevivência, curioso item que permitirá dormir em qualquer canto, mantendo o mínimo de temperatura corporal. Um liner de algodão proporciona alguns graus de temperatura extra e também a certeza de um lugar minimamente limpo onde descansar. É óptimo para os meses de Verão ou para dormidas de Inverno mais abrigadas. Em casos mais extremos, sem tecto garantido, um saco cama tradicional assegura que se consegue dormir em qualquer lado, às expensas de quase 1Kg extra na bagagem.

Os itens de higiene pessoal são fundamentais: não só para a viagem de regresso onde os restantes passageiros não são obrigados a partilhar o nosso odor corporal mas, também, durante a jornada a pedalar. Não há nada melhor do que um bom banho e uma escovadela de dentes para nos sentirmos humanos de novo! Toalhitas de bebé em formato compacto equivalem a "banho portátil" e não deverão faltar numa bagagem para tantos dias. Uma pequena toalha de microfibra garante que nos poderemos secar com facilidade, caso surja um duche à mão. A própria toalha seca em minutos, se for estendida ao sol enquanto tomamos mais um abatanado e um pão com chouriço...

Neste kit pessoal não poderá faltar o creme de carneira (ou um creme barreira de qualidade) que deve ser reposto em intervalos regulares. Há seguramente mais gente a desistir no Paris-Brest-Paris com assaduras nas virilhas do que por fadiga corporal...

No nosso caso, o saco tinha ainda a participação especial de uma secção inteira de roupa civil, a usar nas deslocações para Chaves e de Faro para o Porto. Se as calças e a camisola são facilmente compactáveis, as sapatilhas são um dos maiores itens que transportamos em toda a bagagem e merecem atenção especial na hora de escolher as eleitas.

Como cada vez estamos mais rodeados de dispositivos electrónicos, providenciar electricidade portátil é essencial. Para alimentar um telefone, o GPS e a luz frontal recarregável utilizei um conjunto de dois powerbanks de qualidade, num total de 15.000 mAh. Não esgotei nenhum dos dois. Por segurança, seguiu também o carregador de tomada, que consegue providenciar generosa carga ao telemóvel numa curta paragem de não mais do que 10 minutos. Sempre que possível devemos utilizar recursos externos e poupar os nossos auto-transportados. É este outro dos segredos da gestão na estrada.

Escusado será referir a importância do material para reparações mecânicas. Cabos de mudança e travão, cleats, um elo rápido e remendos são uma boa aposta para juntar ao normal conjunto de reparações que deverá ser também reforçado com uma câmara de ar adicional. Uma embalagem de pasta dos dentes vazia pode reparar um pneu cortado. Braçadeiras plásticas (zip ties) e fita cola reparam mais um punhado de avarias improváveis. Já diz o ditado: Quem vai de Chaves até Faro, avia-se em casa!

Já agora, assumir a partilha de itens na estrada pode ser contraproducente. Cada um deve ser absolutamente auto-suficiente, sobretudo no que diz respeito aos aspectos mecânicos. Exemplo prático: Eu tenho uma pequena bomba de ar que guardei num local mais recôndito do saco porque sabia que em caso de necessidade o Valter teria a sua eficiente bomba de quadro mais à mão. Contudo, não dependeria de mais ninguém caso furasse numa situação de isolamento. Apenas teria de tirar mais coisas do saco para chegar até à bomba. Mas ela estaria lá...

A fotografia no início do post serve para terem uma ideia visual do que levei para esta aventura (exceptuando o material de desempanagem que já estava dentro da Barley).

Como é óbvio, a bicicleta comporta-se de maneira completamente diferente com mais meia dúzia de quilos pendurados. Daí que é importante fazer alguns quilómetros de habituação em modo de carga total. De preferência com uma boa subida pelo meio (6Km no mínimo!), para se compreender as implicações do peso extra na agilidade da bicicleta e no esforço da pedalada.

Por exemplo: sprints para ultrapassar com facilidade pequenos topos rapidamente se podem tornar em armadilhas, quando repetidos até à exaustão. E tudo é estranhamente diferente daquilo a que estamos habituados numa bicicleta "despida" de carga. Até o simples acto de subir para a bicicleta se pode tornar hilariantemente complicado quando temos um saco de selim com 2 andares...

A forma de transportar a bagagem é outro dos problemas a resolver individualmente. Uns preferirão uma bolsa de selim. Outros, alforges.

Todos nós levamos bolsas de selim. A minha Barley (já o sabia de antemão) é manifestamente pequena para uma jornada com roupa suplente. Apesar dos mesmos 9 litros de capacidade que a Barley, a Super C do Luís oferece mais arrumação, em virtude de ser mais alta, mas ainda assim já vai pelas costuras. Uma Pendle de 11 litros como a do Valter será um bom compromisso para uma jornada até 4 dias, contudo ainda foi necessário acrescentar um rolo extra no topo.

Porém, a escolha de um saco não deverá ser condicionada apenas por esta jornada. Algo adequado a estas aventuras poderá ser demasiado volumoso para passeios mais curtos ao longo do ano. É, por isso, uma escolha complicada e um investimento que cada um terá de avaliar segundo a sua expectativa de utilização.

No meu caso optei por funcionar por módulos, acrescentando pequenas bolsas um pouco por toda a parte. Assim, as compras foram minoradas e ganho alguma versatilidade para próximas aventuras. Porém, se continuar com um registo anual de tiradas deste calibre, talvez equacione outra solução de carga. Mas não é algo que me tire o sono agora!

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// Horários, paragens, dormidas, ritmos e afins

Se numa randonnée mais curta há uma certa possibilidade de controlar as janelas de passagem por locais específicos, nesta distância seria certamente infrutífero tentar tal nível de detalhe.

Assim sendo, a hora de partida foi determinada sobretudo por uma boa noite de sono e um pequeno almoço substancial no hotel em Chaves, já que estes seriam os últimos confortos nas 72h seguintes. A partir daí, era o que a estrada nos quisesse oferecer...

Estaríamos pois em autonomia, o que significava ter de resolver os obstáculos que fossem surgindo pela frente, independentemente da hora do dia a que isso acontecesse. O que incluiu, por exemplo, sair de Góis às três da manhã, com uma monumental ventania pela frente e, desde logo, enfrentar a longa subida de 13Km que se ergue à saída da povoação...

No nosso caso as únicas paragens programadas eram as dos "postos de controlo" que distavam 100 a 150km entre si. As restantes paragens longas (uma dúzia, talvez) foram sendo geridas ao sabor da fome, do sono e do cansaço. Sempre por acordo comum e que me lembre, sempre por unanimidade. Já para não falar nas paragens só porque sim ou para apreciar a vista.

Continuar a pedalar com fome ou sono só porque a paragem tem de ser mesmo ali naquela vila ao longe, pode revelar-se contraproducente. Se há necessidade de parar, para-se. Se for uma paragem não programada, tenta-se perder o mínimo de tempo possível e segue-se alegremente o caminho já recomposto e com outra disposição.

Haverá naturalmente quem tenha opinião contrária e um plano de paragens muito rígido. No final, provavelmente, o objectivo cumpre-se à mesma. Mas para mim a viagem é tão ou mais importante do que a chegada. E, por isso, prefiro desfrutar dela ao invés de lutar contra o percurso.

As paragens podem ser abundantes, contudo devem ser regradas. 6 minutos desaproveitados em 10 paragens equivalem a menos uma hora a dormir ou a pedalar! E quanto mais cansados, mais nos distraímos quando estamos parados e mais lentamente regressamos à estrada. É um ciclo vicioso...

Sobretudo há que estar preparado para divergir do plano original sem ficar demasiado frustrado com isso. Contornar os imponderáveis ajustando a estratégia consome muito menos energia do que barafustar contra o que não tem remédio. E na estrada, a energia é um bem precioso...

A dormida é a grande questão numa travessia como esta. As paragens para dormir são essenciais, como é óbvio. E para que fique bem claro, é mesmo possível adormecer em cima da bicicleta! Por isso, não há como fugir a esta necessidade básica. A menos que queiramos jogar à roleta russa com uma valeta ou com um camião que se desloca no sentido inverso...

Posto isto, dormir em condições de conforto cria uma vantagem enorme para quem o pode fazer: O corpo descansa com normalidade, as pernas também e normalmente segue-se um pequeno almoço variado e cheio de energia que proporciona logo uma moral elevadíssima para a jornada do dia.

Por opção própria e dada a janela de tempo que escolhemos para fazer a travessia, não haveria essa benesse. O acréscimo de dificuldade na aventura seria evidente. A opção inicial foi a de dividir a aventura em dois blocos de 330/350Km com uma pausa mais longa para descanso pelo meio. No planeamento à frente do computador tínhamos previsto 5h de dormida na Sertã. A realidade foi, contudo, bem diferente e acabamos por (de forma muito assertiva) fraccionar essas 5 horas por duas paragens: uma por noite. Ou quase...

Para mim, três horas de sono são normalmente o suficiente para fazer o reset total e começar um novo dia do zero. Na nossa jornada tivemos então direito a 4h30 de sono (3h00 + 1h30) o que me permitiu encarar as 57 horas de estrada sem grandes percalços. Aparte disso, dois pequenos blocos de sonolência: um ultrapassado com alguma ginástica mental, enquanto perseguia os endiabrados companheiros de pedal ao longo da albufeira de Montargil. Outro à saída de Montemor-o-Novo, em que acabei por despertar depois da luta contra o telemóvel que se recusava terminantemente a emitir qualquer música que fosse. De resto, o meu habitual deslumbre e entusiasmo foi-se encarregando de me manter desperto no selim.

Como não somos todos iguais há quem precise de mais uns minutos de sono. Foi o caso do Valter. Enquanto eu e o Luís íamos vendo o que estava mais à frente na estrada, o Valter esticou-se uma horita aqui e uma horita ali, para descansar as vistas de tanta paisagem nocturna bonita. Porém, contas feitas, acabou por nunca andar muito distante de nós. Numa questão de 1 ou 2 horas reagrupamos e estávamos de novo em sincronia.

É desta responsabilidade que falava nos parágrafos sobre a gestão de equipa. Por um lado o grande respeito pela restante equipa, em ter o discernimento de assumir e comunicar a decisão de parar quando isso é mesmo necessário, não comprometendo a segurança de ninguém na estrada. Por outro a certeza de poder deixar alguém para trás e saber que essa pessoa está perfeitamente preparada para ser auto-suficiente até se juntar novamente a nós. Não que a preocupação com o seu estado deixe de existir. De todo! Mas é esta plasticidade que permite que o plano se vá desenrolando sem grandes sobressaltos.

Quem vai fazer esta jornada em blocos muito claros do género "pedalar de dia / descansar de noite" deve, sem dúvida, marcar alojamento. Por todos os motivos e mais alguns, é inegável o benefício do conforto extra, sobretudo na questão da recuperação da fadiga física.

O nosso caso era um pouco diferente. Explicadas as circunstâncias ao comandante dos bombeiros da Sertã, houve um pedido muito especial para que pudéssemos dormir um par de horas no quartel. Importa deixar vincada a ideia de que os bombeiros, apesar do seu cariz humanitário, não estão vocacionados para fornecer alojamento. Muito menos a aventureiros que fazem isto por recreação.

Por isso, tratamos a nossa estada com a maior humildade e não assumimos que teríamos qualquer benesse além de um espaço no chão para dormir. Fomos extremamente bem recebidos, com condições além do esperado, e retribuímos a simpatia o melhor que pudemos. Tentamos sempre ser o menos intrusivos possível na azáfama do quartel e naturalmente que agradecemos a estada com um donativo, certos de que qualquer ajuda é bem-vinda nos tempos que correm.

O espírito randonneur é este mesmo. Estar preparado e não ser condicionado por factores civilizacionais. Se houver o bónus de uma bebida quente, comida mais normal ou uma cama para dormir, óptimo. Se não, há que fazer o caminho na mesma. Se os bombeiros nos dessem uma resposta negativa, teríamos de acautelar o descanso noutro lugar qualquer. Na rua, provavelmente. Mas isso é algo para o qual temos de estar mentalizados. E estávamos....

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// Alimentação

Apesar de algumas correntes defenderem outra abordagem, para nós os três a regra de ouro em termos de alimentação continua a ser a mesma: normalidade. Normalidade de horários e normalidade de alimentos ingeridos.

Naturalmente que nem sempre fomos bem sucedidos. Mas tentamos manter um ciclo aproximado de almoço/jantar, com pequenos snacks pelo meio. A ideia era ajustar a nossa estratégia de paragens ao sabor dos lugares que fossemos encontrando abertos. Ainda assim, comemos menos vezes de faca e garfo do que planeamos. Houve que improvisar...

Apesar de tudo, a nossa alimentação foi variada, dentro dos possíveis. Alimentação saudável para o corpo mas também alimentação mais gulosa para animar o espírito. Nestas alturas não devem existir fundamentalismos e o que interessa é o estômago estar feliz para que o ciclista também esteja feliz.

Os cafés duplos foram comuns durante toda a viagem. Consoante a região do país, alternamos o complemento entre pão com chouriço e fêveras no pão (bifanas, como insistem chamar no Sul, para mim é outra coisa!).

A sopa nunca pode faltar e é, sem sombra de dúvida, o alimento mais completo que podemos ingerir na estrada. De fácil digestão, hidrata e alimenta. As suas propriedades são tão poderosas que até pode recuperar em minutos um corpo no limiar do "bonk". Neste tempo frio tem o condão extra de aquecer o corpo, mas desengane-se quem pense que no pico do calor é dispensável ou intragável. Já comi sopa em dias de 38º e foi, como sempre, providencial!

Além da sopa, nesta aventura comemos de tudo um pouco: desde bolos e fruta, até bolachas e frutos secos. Eu, pela benesse de um estômago e de um gosto bastante tolerantes, tenho facilidade em encontrar sempre algo para repor energias. Como o que me apetece, tentando variar e comer não só para as pernas, mas também para a alma. Comer bem, sempre que possível. Comer menos mal, de todas as outras vezes. Comer doces pela energia rápida que proporcionam mas não esquecer os salgados. Os salgados até poderão causar sede, mas permitem anular o efeito saturante das comidas demasiado doces. E é essencial perceber quando estamos a ficar menos activos a comer por iniciativa própria e tentar contrariar isso com algo contrastante. Os amendoins salgados do Luís fizeram este papel muito bem, nas aborrecidas rectas Alentejanas...

Nestas aventuras mais longas, a comida de bolso é importante para as horas nocturnas, mas não é necessário sobrecarregar o saco com comida sintética em embalagens coloridas. Ao todo comi apenas duas barrinhas, um nougat, um chocolate e várias porções de frutos secos. A restante alimentação foi feita "ao balcão".

Convém também levar algum pó isotónico suplente. No inverno poderão usar um bidão com água (a ser consumido primeiro) e o outro com isotónico. Nos meses de maior calor, o isotónico é fundamental para a reposição de sais perdidos pela transpiração. Não é necessário ser de uma marca XPTO. Importa é ir bebendo com regularidade. Antes de optarem pelos sais em práticas pastilhas efervescentes, testem bem a reacção do vosso estômago à bebida isotónica carbonatada daí resultante. Isto porque, mesmo sendo da mesma marca, o resultado não é exactamente igual à bebida obtida via pó solúvel.

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// O ciclista enquanto parte do ecossistema rodoviário da N2

Numa altura em que se discutem acérrimamente os direitos dos ciclistas no contexto rodoviário, continuo a assistir a repetidos comportamentos que em nada ajudam a passar uma boa imagem dos utilizadores de bicicleta, enquanto elementos respeitadores das regras de conduta e de circulação nas estradas e merecedores de igual respeito por parte dos restantes utilizadores da via.

Talvez por isso esteja cada vez mais auto-consciente em relação ao meu comportamento na estrada. Prezo que quem pedale comigo também o faça e foi, por isso, com naturalidade que nos encontramos parados, em pleno Alentejo, perante um semáforo vermelho numa estrada completamente deserta. Sem hesitar. Coisas de randonneur...

Comportamento gera comportamento. O respeito pelas normas do código da estrada e a cordialidade para com os restantes utilizadores da via, valeram-nos vários gestos de incentivo/cortesia. Pedalamos muitas vezes a par, como é natural, mas facilitamos a fluidez do trânsito sempre que possível e sempre que isso não comprometesse a nossa própria segurança.

Além das questões comportamentais, sou absolutamente intolerante à falta de elementos de segurança nas horas nocturnas. Um colete com elementos reflectores, uns reflectores de tornozelo e luzes "a sério" serão o mínimo a considerar para uma jornada segura. Seja a atravessar o país, seja a 10km de casa. Aliás, no nosso caso, o colete e os reflectores de tornozelo estiveram presentes e visíveis ao longo de toda a jornada.

Isto porque a visibilidade na estrada é essencial quando comparamos a velocidade e a massa de um ciclista com os mesmo atributos de um automóvel. Apesar da N2 ser uma estrada que em grande parte da sua extensão apresenta pouco trânsito, existem bastantes troços em que o trânsito é intenso e/ou se desloca a grande velocidade e por isso, toda a atenção que conseguirmos chamar sobre nós é bem-vinda!

Convém não esquecer que a última coisa que qualquer condutor espera é encontrar um grupo de ciclistas a pedalar no meio do nada às tantas da manhã. Por isso, façamos com que a surpresa lhe surja da forma mais antecipada possível.

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// Logística de transporte

Para quem mora a 100 ou 200km de Chaves, uma boleia automóvel é o ideal uma vez que permite levar as bicicletas totalmente montadas ou com o mínimo de modificações. Mas viajar até ao quilómetro zero de camioneta, com a bicicleta embalada, será talvez a única hipótese para quem more mais a sul. Isto significa que deverá existir tempo e cuidado para fazer o embalamento e posterior remontagem dos componentes, uma vez chegados à cidade. Significa também que existe a possibilidade de algo se partir, entortar ou desafinar pelo caminho. E nisto das coisas que só se fazem uma vez por ano, nunca há cenários impossíveis ou improváveis. Há sim situações que importa prevenir, para a aventura não ficar estragada logo antes de começar...

Terminada a odisseia e já em Faro, para o regresso ao Norte existem (pelo menos) três boas janelas de oportunidade em termos de horário: Comboio às 13h54 e às 17h56 e camioneta às 20h30. Em qualquer um dos casos é necessário prever sempre uma hora para embalar as bicicletas e fazer a higiene pessoal com calma.

No nosso caso o plano original era o comboio das 13h54 e acabamos dentro da camioneta das 20h30. Por isso considerem sempre uma boa margem de segurança para os imprevistos e claro, para as paragens que sempre se estendem mais um pouco do que o planeado. E encarem esses atrasos como naturais. Afinal de contas, o que são mais 5 ou 6 horas numa jornada única como esta? O importante é ter um plano B, C e D. O resto é passeio e diversão!

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// Preparação física

No meu caso não fiz preparação muito específica para a travessia da N2. Nada de dietas loucas, suplementação laboratorial, acompanhamento técnico especializado, planos de treino ou outras complicações do género.

Aliás, já não pedalava desde a Volta da Posta, ou seja desde 10 de Outubro. Praticamente dois meses sem pegar na bicicleta com dois baptizados e um casamento pelo meio... uma desgraça!

Por diversos motivos, o melhor que consegui pedalar foram 50Km + 30Km nocturnos, nos dias que antecederam a partida. Estas voltas serviram essencialmente para despistar uma possível complicação muscular no complexo psoas-ilíaco (que felizmente não se confirmou!) e também para testar a Lynskey em carga total. Com sinal positivo em ambas as situações, decidi avançar.

De entremeio umas pequenas corridas de meia hora só para colocar o corpo em estado de alerta e claro, o mínimo de cuidado na alimentação. Nada mais. Sabia que não íamos estabelecer nenhum recorde e apenas pedalar por prazer.

O resto é construção mental que já está feita e vai sendo chamada à acção sempre que é necessário. Descansar a subir, descansar a descer e descansar enquanto descansamos...

Naturalmente que as dúvidas são sempre mais do que muitas, pelo menos até vermos o meco do quilómetro zero. Depois, não há nada a fazer e a cabeça já está focada em terminar o proposto.

Contudo, de antemão, havia o meu compromisso de fazer uma reavaliação por volta do quilómetro 300 e, se necessário fosse, fazer o desvio para Coimbra, terminando aí a minha aventura. Felizmente não foi necessário e tive o prazer de chegar a Faro bem acompanhado e sem grandes mazelas.

De facto, o nosso corpo está sempre a surpreender-nos e se formos pedindo com bons modos, conseguimos esticar sempre mais um pouco aquilo que achávamos ser o nosso limite.

Sem loucuras e sem pressas. As estradas estarão sempre lá para nos acolher. Seja daqui a uma semana, seja ou daqui a um ano.

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// Em suma...

Muito mais há para dizer. De muito me esqueci e certamente que os companheiros de longa distância conseguirão completar o que fui escrevendo ao longo das linhas acima. Porém, e como já tinha escrito antes, há um sem número de ensinamentos só se aprendem in loco: Fazendo as coisas, errando e aprendendo com os erros. Percebendo que há coisas que resultam com toda a gente mas que também há coisas que só resultam se forem feitas de determinada forma para nós e por nós. Conhecendo o nosso corpo e, sobretudo, conhecendo a nossa cabeça.

Ao contrário de um exame de matemática, é impossível ir absolutamente preparado para a estrada e prever todas as variáveis que possam aparecer. Para levar a efeito uma tirada destas é essencial ter capacidade de análise e improviso. Os planos são apenas planos e no terreno tudo muda rapidamente.

Há sempre uma subida que se torna mais desgastante do que o esperado, um desvio não anunciado, um problema mecânico imprevisto e muitas outras situações que deitarão por terra num ápice todo esse planeamento exacerbado que se faz em frente ao computador. E depois, se não existir ponderação, há a tentação de correr, literalmente, atrás do prejuízo. E isso pode não dar bom resultado...

Por isso é que a experiência é essencial. Só pedalando é que se sabe realmente como é que a bicicleta funciona, o nosso corpo reage e as situações se resolvem. Tudo o que parece tão complicado acaba por se tornar rotineiro e, por vezes com alguma dificuldade, é que nos lembramos de contar aos outros pequenos detalhes que fazemos instintivamente na estrada.

Levar as coisas degrau a degrau. Começando aos poucos e lançando boas bases, para que depois as aventuras surjam com maior fluidez e se mantenham no topo das nossas prioridades enquanto ciclistas. E quanto mais sólida a base, maior conseguirá ser ousadia dos desafios e mais rapidamente os passaremos de planos a conquistas.

O resto... o resto é menos conversa e mais aventura!


— per ardua ad astra! —
 
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Reactions: Zei
@duchene
mais uma vez parabéns pela bela "voltinha" e de facto acho que não perdeste o jeito para a prosa....

"Pelo que fui lendo, parece que fomos os primeiros a anunciar ter feito a travessia de forma contínua numa só etapa. E mais ainda em Dezembro." acrescento um factor (que referiste mais à frente no teu relato) que faz toda a diferença: autonomia total.

Concordo contigo quando referes que uma aventura destas não deve ser feita em "modo de excursão", ou seja, um grupo numeroso onde por vezes a preparação física e psicológica de cada um dos participantes é muito diferente, assim como a motivação de cada um e até capacidade de gerir pequenos atritos durante a aventura.

Relatos como este são especialmente interessantes (pelo menos para mim) pois sofro de uma patologia parecido com a tua...
 

trepadores da Figueira

Well-Known Member
Deste magnifico relato feito pelo André, do qual eu já passei em parte pois eu fiz está travessia em 4 dias, 21 a 24 de Abril de 2012

O que eu tenho a reter neste relato, é no meu ver este cometário:

Aliás, já não pedalava desde a Volta da Posta, ou seja desde 10 de Outubro. Praticamente dois meses sem pegar na bicicleta com dois baptizados e um casamento pelo meio... uma desgraça!

Este rapaz é doutro planeta.

MUITOS E MUITOS PARABENS.

738 kms ( não 378 kms )
 

vhugocosta

Well-Known Member
O meu relato está pronto, mas vendo este post do André acho que vou adiar a publicação uns dias. Considero independentemente de ter estado envolvido diretamente nesta aventura/passeio, que este post tem muitissima informação que precisa de ser digerida, discutida, e explicada, portanto vamos fazer isso, e depois no tempo certo publicarei, até porque muito do que escrevi vai ser entendido de forma mais completa depois deste "resumo".

André

Então eram umas cinco linhas? Pessoalmente, considero o conteúdo deste post partindo do exemplo da nossa travessia da N2, extremamente abrangente e completo á vertente do ciclismo de longa-distância + autonomia, que o torna muito valioso e importante, com uma abordagem a cada temática feita de uma forma muito inteligente.

Parabéns pela dedicação e cuidado na escrita, e espero que todos aproveitem esta informação, tal como eu acabei de fazer vendo agora do lado de fora.

Abraço
 

Marcos200

Member
Grande aventura ! Parabéns aos 3 super randonneurs !

André, é muito interessante verificar a distancia a aumentar de uma forma natural e com gosto.

Acho que ainda vou ler uma cronica tua do PBP 201? ;)

Grande abraço
 

jpacheco

Well-Known Member
Bem te compreendo em relação à bifana... tanto desgosto apanhei até aprender que só no norte é que se come a verdadeira :D Tu és um doidinho... não leves a mal. Mas até a escrever dá gozo ler as aventuras!! :D Mais uma vez muitos parabéns aos 3!
 

JPLopes_73

Well-Known Member
André

muito obrigado pela partilha ... será útil num futuro muito próximo que já está em agenda ... foste tão extenso que pedir mais seria abusar!

A primeira reacção de sobrevivência é procurar os bombeiros ... faço o mesmo. Ligarei em preparação para os 2 pontos de descanso a prever. Se não o fizer em 10+10+10 ... faço em 11+11+11 ... 12+12+12 ... 13+13+13 ... 14+14+14 ou 15+15+15! A minha sensibilidade diz-me que a paisagem do 1º dia vai ser mais absorvente mas que as subidas para descansar também vão proporcionar essa análise.

Este mês (12/2015) tal como fizeste e BEM vai ser de quase paragem ... quando pego numa bike agora ... até sinto o pneu de trás a patinar ... as pausas de descanso são tão ou mais importantes que os períodos de treino. E depois já se sabe ... nesta coisa das bikes ... quem sabe não esquece ;)

Tal como disseste tantas horas em cima de uma bike só mesmo por tipos com igual dependência desse tipo de droga!

Não me foi possivel aceitar o convite para altura do ano em que geralmente as datas já andam apertadas e mais uma vez parabéns aos 3 que espero encontrar em Breve(t)

Grande abraço e keep like that!

JPLopes
 

JPLopes_73

Well-Known Member
Pessoal que está na lista para 9-10-11 de Junho ... se quer ver o nome excluido ... pronuncie-se ... a hora do 1º briefing está já a sair do forno!


Actualização:
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JPLopes_73
Medroso#78
vhugoCosta
Trepadores da Figueira
Afonsobtt
- faz tudo de uma vez e volta para trás sem transporte de apoio ...
José Garcia

Loudiogo(?)
Albertosemcontador(?)
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agora percebo que mesmo só estes já me parecem um problema muito grande ...
 
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